Com 40 hectares no município de Rio Pardo, ao lado de Santa Cruz do Sul, Alci Eisenhardt pode ser considerado um produtor afinado com os programas de diversificação da produção em áreas de cultivo de tabaco desenvolvidos no Brasil. Além do fumo, que ocupa 5,6 hectares da propriedade, ele planta milho, pêssego, girassol, mandioca e eucalipto e ainda cria aves, gado e suínos. Mesmo assim, a aposta principal do agricultor de 47 anos não muda. "O fumo não vai acabar porque existem cada vez mais fumantes no mundo".
A afirmação ajuda a entender por que três anos após a ratificação da convenção-quadro para o controle do tabaco da Organização Mundial da Saúde (OMS), em outubro de 2005, o país ainda engatinha na implantação de culturas alternativas capazes de substituir a principal fonte de renda de 186 mil agricultores familiares na região Sul. Algumas experiências estão sendo tocadas por entidades como a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) com o apoio de universidades e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), mas os resultados práticos - por enquanto - são pequenos.
"A conversão de culturas é uma prova de resistência, não é rápida", afirma o secretário de agricultura familiar do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Adoniram Sanches Peraci. De acordo com ele, a convenção-quadro não "criminalizou" o plantio de tabaco, mas os fumicultores brasileiros, que exportam 85% da produção, devem se preparar para a queda do consumo global de cigarros, que segundo a OMS deve começar de forma acentuada daqui a cinco anos. "Acreditamos que eles terão problemas", diz.
Conforme Peraci, o principal responsável pela queda na demanda será a China, que também aderiu à convenção e começa a impor restrições mais severas ao fumo. O país é o maior produtor de tabaco, com 34% da safra mundial estimada em 5,4 milhões de toneladas de fumo processado neste ano, mas também é o maior importador e absorve a maior parte das exportações do Brasil, pois responde por 43% do consumo global projetado para o período, de quase 6,3 milhões de toneladas.
Os dados são da Associação Internacional dos Produtores de Fumo (ITGA, na sigla em inglês). Em relação a 2007, a safra prevista para este ano apresenta uma queda de 111,7%, mas segundo o presidente da Afubra, Benício Werner, isso pode ser resultado de alguma falha e informação de países como a China e também a Índia, terceiro maior produtor mundial, atrás do Brasil, já que não ocorreram problemas climáticos significativos e o consumo manteve-se praticamente estável.
O vice-presidente da Afubra, Heitor Petry, diz que desde 2006 a entidade desenvolve dois projetos com o apoio do MDA, de quem recebeu R$ 340 mil: elaboração de biodiesel de óleo de girassol em 22 propriedades da região para uso pelos próprios fumicultores e plantio em pequena escala de árvores exóticas em nove municípios para produção de madeira destinada à indústria moveleira e da construção civil. No total, o ministério informa que investiu R$ 19 milhões de 2006 a 2008 no Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco, lançado para atender às exigências da convenção-quadro.
O grande desafio dos programas de substituição do fumo está na tradição e na importância econômica das lavouras cultivadas no Sul do país há mais de um século. Conforme Petry, a Afubra sempre estimulou a diversificação, mas o tabaco ocupa 15% da área média das propriedades dos fumicultores, que é de 17 hectares, e representa 70% do valor total da produção, estimada em R$ 38,8 mil para a safra 2007/08. O milho, por exemplo, demanda 17% da área, mas contribui com 7% do valor da produção e serve basicamente para consumo próprio e como ração animal.
Além disso, em 2008 as exportações brasileiras de tabaco deverão somar US$ 2,8 bilhões, ante US$ 2,2 bilhões em 2007, calcula o Ministério da Agricultura. Para 2008/09, a colheita em andamento é estimada pela Afubra entre 700 mil e 750 mil toneladas, contra 714 mil na safra anterior. Embora a maior parte da produção seja destinada ao mercado externo, 72% do faturamento do setor (incluindo a indústria e varejo), de R$ 15,3 bilhões em 2007, é obtido no Brasil devido ao peso dos impostos sobre o cigarro, que somaram R$ 7,7 bilhões no período, relata a entidade. Naquele ano, os produtores ficaram com R$ 3,3 bilhões.
A Afubra optou pelos experimentos com florestamento e biodiesel porque os fumicultores já têm experiência no plantio de árvores para produção de lenha e porque o girassol, além de garantir combustível para os tratores, pode no futuro ser usado para a elaboração de óleo de cozinha, que tem maior valor agregado. O biodiesel é produzido pela Universidade de Santa Cruz do Sul e por empresas privadas, mas antes o grão é esmagado em uma unidade da associação e o material sólido restante, rico em proteínas, é usado na preparação de alimento para os rebanhos bovino e suíno.
De acordo com o técnico da Afubra responsável pelo projeto de biodiesel, Nataniel Sampaio, a produtividade do girassol na região é de 1,5 mil a 2 mil quilos por hectare e cada tonelada do grão produz 400 litros de óleo bruto (que rendem 300 litros de biodiesel) e 600 quilos de massa sólida para ração. No ano passado os 22 produtores que participam do projeto produziram 6,5 mil litros de combustível. A venda do produto no mercado é proibida, mas uma alternativa poderia ser a comercialização de excedentes mediante a formação de associações ou cooperativas de produtores, entende Petry.
Para o presidente da Afubra, Benício Werner, a dificuldade é encontrar uma alternativa que garanta uma rentabilidade aos níveis do tabaco, que por ser produzido em sistema de integração com a indústria, ainda oferece garantia de comercialização da safra aos produtores. O cultivo de hortifrutigranjeiros, por exemplo, enfrenta problemas de logística, pois não pode ser transportado com a mesma facilidade do fumo. A produção de carne e leite também seria difícil nas pequenas propriedades. "O fumicultor não vai abandonar a cultura por conta e risco", comenta.
Já o secretário de Agricultura Familiar do MDA acredita que iniciativas como a Lei da Alimentação Escolar, aprovada este mês pela Câmara dos Deputados, também servirão de estímulo à diversificação. A nova lei, que deve ainda passar pelo Senado, prevê que as prefeituras empreguem até 30% da verba da merenda escolar na aquisição de produtos de pequenos produtores das respectivas regiões do país. Segundo ele, a COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO (CONAB) também compra R$ 700 milhões por ano em alimentos produzidos pela agricultura familiar para o programa Fome Zero e a Petrobras isenta de PIS e Cofins as usinas que adquirem matérias-primas desses produtores para a elaboração de biocombustíveis.
Diversificação ainda serve para tentar reduzir custos
De Sinimbu e Rio PardoMesmo para os fumicultores engajados nos projetos de desenvolvimento de culturas alternativas, a diversificação da produção ainda funciona mais para reduzir custos e garantir uma renda extra do que como perspectiva real de substituição das áreas de tabaco.
O plantio, a colheita e a secagem do produto é um processo penoso, exige horas a fio de trabalho manual e muito tempo por dia com as costas arqueadas para recolher as folhas de fumo, mas representa mais de dois terços da renda das propriedades e pode garantir R$ 8 mil por hectare, ante pouco mais de R$ 1 mil se a opção fosse a soja, segundo o produtor Hedio Borhz, do município de Sinimbu, no Vale do Rio Pardo, região central do Rio Grande do Sul.
Borhz tem 29 hectares, dos quais apenas três destinados ao fumo, cultivados com a ajuda da esposa e do filho. Na colheita, há ainda um empregado temporário. Ele também planta milho e eucaliptos, preserva mata nativa e participa do programa da Afubra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) com 0,6 hectare de girassol para produzir o biodiesel que move seu trator. Neste ano, ele garantiu 300 litros, o suficiente para todo o trabalho na lavoura. "Não precisei mais ir ao posto [de combustível]", diz.
O agricultor, que tira 2,2 mil quilos de fumo por hectare, ainda planta verduras e cria aves, suínos e 15 cabeças de gado de corte e leiteiro para consumo próprio. Ele vai ao mercado para comprar apenas farinha, sal e açúcar. Uma parte das 1,5 mil sacas de milho colhidas por ano é vendida, mas nada substitui o tabaco como fonte de renda. Borhz mostra interesse em produzir óleo de girassol para alimentação porque tem mais valor agregado, mas vê a diversificação basicamente como uma alternativa "para não depender só do fumo".
Em Rio Pardo, Alci Einsenhardt aposta na sobrevivência das lavouras de tabaco com ou sem convenção-quadro. "Duvido que o fumo termine", afirma. A cultura ocupa 5,6 dos seus 40 hectares. Ele também planta pêssego, que lhe rendeu R$ 1 mil neste ano, produz lenha, que garantiu mais R$ 11 mil, além de milho e mandioca, aves, suínos, gado leiteiro e de corte.
Os 14 hectares de eucaliptos são vistos como uma "poupança" para o futuro e no ano passado ajudaram a pagar as contas quando a chuva em excesso prejudicou a safra de fumo.
Eisenhardt também participa do projeto para produção de biodisel de girassol, que tem o apoio da prefeitura local e da Emater. O produto é para consumo próprio, mas vem ajudando a reduzir despesas. "Sinto a diferença no bolso", afirma. Com um hectare destinado ao cultivo do grão, ele obteve 700 litros neste ano, que substituiu o diesel antes comprado nos postos de combustíveis a R$ 2,20 por litro, diz o produtor. (SB)